segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Eu não sou Virgem Maria - a novela - Primeiro capítulo, primeiro bloco

São Paulo de madrugada. Avenida Paulista, Centro, não sei. Somente as luzes dos prédios aparecem acesas. Um telespectador mirim pensaria no porquê de tanta gente estar com as luzes acesas de madrugada, já que ninguém deixa lâmpada ligada nessa hora; um telespectador adulto não pensaria isso, pois já se acostumou a ver estas cenas em todas as novelas e também tem sempre o hábito de deixar uma lâmpada acesa de madrugada para evitar assaltos - sem que as crianças percebam.

Numa dessas ruas, está Berenice segurando a mini-saia, com cara de assanhada, mordendo os lábios e olhando para Lúcio, entediado.

- Duvido que você não quer.

- Nem vem, Berenice! Não adianta insistir!

- Você é viado. Tu é baitola. Tu gosta de dar o cu. Você é frutinha. Tu é menininha. Tu solta a franga!

- Não é isso, Berenice, não é nada disso! Eu só não estou afim de você!

Lúcio anda para o lado oposto enquanto Berenice lambe os lábios lascivamente. Por que será que ela lambe tanto os lábios, o telespectador mirim pensa; o telespectador adulto não pensa nisso, pois já está acostumado a atrizes bonitas que não sabem interpretar. Eu discuti isso profundamente com os produtores.

- Sem essa, André. Eu entendo de público. O público gosta é de mulher bonita para fazer esses papéis. Não precisa saber interpretar. É só usar uma roupinha bem curtinha! Pra fazer papel de mãe, de avó, é que tem que saber atuar e não precisa ser bonita!

Eu pensei nessa hora: como que ele sabe do que o público gosta? É claro que o papel da assanhada é muito difícil. Uma mulher feia assanhada impressionaria muito mais do que essa bonitona que fica lambendo os lábios feito uma camela. Mas a culpa não foi minha e não farei mais menção à inabilidade de Berenice.

No dia seguinte.

- Não, meu filho não é gay! - diz Rodolpha, a mãe de Lúcio ao telefone. - Eu sei, eu sei, não, não... essa menina está acabando com a vida dele. Tá todo mundo pensando que ele é gay, mas eu juro que ele não é. Eu juro!

Rodolpha desliga o telefone com uma força desproporcional e fica pensando, olhando para o teto, quando seu filho Lúcio abre a porta.

- Ah, meu filho! Eu estive tão preocupada com você!

- Sei, mamãe. Que que é esse gloss que a senhora está usando? Não combina com seus lábios.

Rodolpha olha para o alto e tem a confirmação súbita. É esse o momento banal em que as pessoas percebem coisas importantes. Ela precisava somente de um estalo. E o estalo foi a martelada final. Lúcio já comentou do gloss da mãe por várias vezes, mas foi somente nessa vez que Rodolpha entendeu tudo. Ela põe as costas da mão esquerda na testa e parece que vai desmaiar.

- Que foi, mamãe?! Que foi?! Nunca vi a senhora nesse estado!

- Nada, filho. Por que você não gosta de futebol, hein?

- Porque sua, mãe. E estraga a pele!

Estamos apresentando: Eu não sou Virgem Maria!

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