quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Entrevista - Homem placa

Ele é um homem placa que fica das 8 às 18 segurando uma placa de propaganda não importa de quê. O Conheci quando um dia parei em frente dele e comecei a anotar o número de telefone que havia na placa. Ele disse, "Ora, deixe disso. Pegue logo aqui o meu cartão!". Peguei o cartão com prazer e afeto, pois me poupou um trabalho árduo que era o de achar uma caneta e um papel em minha mochila. Desde então, passo sempre propositalmente do outro lado da rua para cumprimentá-lo e perguntar como vai o dia, se a placa está pesada hoje, essas coisas.

Ele foi o escolhido da segunda entrevista porque é o começo da política deste blog de não entrevistar somente os ilustres. Porque os ilustres já sabem o que vai ser perguntado e já sabem o que responder. Os desconhecidos não têm o menor recalque e são inéditos. A entrevista com Roberto.

Eu: A placa está pesada hoje?

Roberto: Rapaz. Sabe que tem dia que a placa pesa mesmo mais? Ela fica no ombro da gente e parece que tá puxando pra baixo. Hoje ela não tá pesada, não. Hoje ela está normal. Hoje ela tem o peso que tem.

Eu: Eu imagino. Tem dia em que as horas passam mais devagar e tem dia em que as horas passam mais depressa. A placa pesa tanto quanto o tempo?

Roberto: Isso! Isso mesmo.

Eu: Desculpe o sentimentalismo. E quando chove? Você tem que ficar aí na mesma posição?

Roberto: Quando chove, eu vou ali debaixo e espero a chuva passar, distribuo alguns cartões para quem está debaixo da lona que nem eu, sem fazer nada. Para um bom plaqueiro, é sempre vantajoso quando chove, porque o contato fica corpo a corpo.

Eu: E se você não fosse um bom plaqueiro?

Roberto: Aí eu ficaria parado lá, sem fazer nada, esperando a chuva para voltar pro meu lugar.

Eu: Imagino que dê menos preguiça ser um bom plaqueiro do que um mal, porque aí a coisa passa mais rápido, né?

Roberto: Passa, sim. Se eu ficasse lá sem fazer nada, aí que o tempo demoraria.

Eu: Tua idade, Roberto?

Roberto: Cinqüenta e seis.

Eu: Dizem que a trema caiu, e você falou com trema. É cinquenta e seis, agora.

Roberto: Esquisito, rapaz.

Eu: Onde você mora?

Roberto: Guaianazes.

Eu: Não me arrisco a perguntar onde fica porque não tem a menor razão. A que horas você sai de casa?

Roberto: Cinco.

Eu: Eu pergunto isso aqui, mas não quero dizer que você seja bobo. Por que você está bem humorado?

Roberto: Não sei, ué. Eu venho para cá e vivo as coisas. Estou bem humorado? Não sei, não sei. Pode só parecer.

Eu: Sem essa, Robertão! Não venha com sentimentalismos só porque eu levantei a bola!

Roberto: É que parece que eu tenho um humor melhor do que o que eu realmente sinto.

Eu: Você fica bem humorado por respeito aos outros?

Roberto: Também.

Eu: Por qual outro motivo?

Roberto: É por respeito, entendeu? Ninguém tem que agüentar gente mal humorada.

Eu: Por respeito, Robertão, você só tem que não tratar mal as pessoas.

Roberto: Isso é. Mas é que eu prefiro dar um plus!

Eu: Ah, um plus!

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