André estava deitado de bruços, de mau-humor, e ainda com cara de quem acabara de acordar.
É muito ruim ser uma visita inconveniente. Pior do que isso é ser uma visita inconveniente de horário marcado! Falei: "André, amanhã, onze horas, passo aí para a entrevista, que faz tempo que a gente não faz!" Ele disse que tudo bem, e pelo telefone não aparentou o menor mau-humor.
Mas temos que compreender o rapaz recém-operado que não pode sequer digitar: tem que ditar tudo para a namorada.
Eu: Vamos levantando?
André: Não, não. Ai! Não encosta aí, que tá doendo!
Eu: E como vem sendo esse pós-operatório?
André: Palavra da moda.
Eu: Como assim?
André: Hoje todos temos palavras médicas no nosso vocabulário. Outro dia ouvi um fulano dizer que o amigo tem transtorno bipolar embora também tenha o transtorno obsessivo compulsivo. Sabe o que o amigo tinha afinal?
Eu: Não. O quê?
André: Ele alternava pequenos maus humores. Acordava mal humorado de manhã, entende? E de tarde já estava bom. Isso para o fulano era transtorno bipolar. E sabe de onde vem o TOC?
Eu: Ã.
André: Porque o sujeito lavava as mãos de duas em duas horas. Francamente! Agora vem você dizendo essa palavra hedionda, pós-operatório, na maior cara de pau. Como se você fosse um médico conversando com o paciente aqui. Olha. Se isso não fosse publicado depois no seu blog, que é de muito bom gosto, eu falaria um palavrão daqueles!
Eu: Pode falar!
André: Não tenho coragem!
Eu: Já era de se esperar. Mas me conta. Como foi no hospital?
André: Foi muito bom. Acho que vou fazer uma série de posts, até com um ítem para se pesquisar depois: no hospital. Teve enfermeira fofocando com a outra um pouquinho antes de eu operar, teve anestesista engraçado, japonesa voluntária, enfermeira insegura na hora de furar minha mão. Mas tinha Sportv no quarto. A vida fica um pouco mais fácil de se suportar quando tem um futebolzinho passando na TV.
Eu: Ah, isso é. Adoro futebol.
André: Eu também. Para que time você torce?
Eu: Palmeiras.
André: Eu também. Tô com a camisa do Inter mas sou Palmeiras. Quer dizer, sou um palmeirense colorado. Colorado por amor. É que a minha vida se resume a fazer e querer o bem da minha namorada, e ela é colorada. Como que vou deixar de torcer para o time dela se a amo tanto?
Eu: Entendo. Amor para você é isso?
André: Rapaz. Para Fauro Goares, amor pode ser resumido em duas palavras: Sidney e Magal. Para mim, é quase isso. Amor, para mim, é ficar o tempo inteiro à disposição de quem se ama. É ficar de quatro. É ficar de três, quando se é Saci. É abrir o refrigerante da pessoa amada quando se está louco de vontade de comer bife. Amor, rapaz, é não mandar currículo porque a vaga é para trabalho de final de semana. É gostar de H2O mesmo nunca tendo gostado de nada light. É não tomar Coca só porque a pessoa amada tem ciúmes, mesmo sempre tendo gostado de Coca. É perder o foco da entrevista só para puxar o saco da pessoa amada.
Eu: Sei. Algo mais?
André: Falávamos do Inter, certo? Amor é quando o Palmeiras perde para o Inter de dois a um, e eu volto pra casa com a camisa do Inter.
Eu: Lindo!
André: Eu sei, eu sei. Amor é querer se recuperar de uma cirurgia só para ver o amor. Amor quando se sente uma dor e agradece a deus por não ser na pessoa amada que está doendo.
Eu: Sei. E por que essa entrevista vai sem foto?
André: Porque estou contundido para fazer a montagem.
Eu: Beleza. Um grande abraço e até a próxima!
André: Tá ok, meu chapa. Agora vai lá na geladeira e pega uma coquinha para mim, sim?
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