Comumente me avisam que o funcionário do mês está atrasado. "Já estamos em setembro", dizem, "e o funcionário do mês é o de agosto!". Por um lado é muito bom que se interessem pelo blog. Bom para quem se interessa, para mim é indiferente. Se bem que fico muito feliz e satisfeito ao notar que as pessoas à minha volta possuem ótimo gosto. Mas infelizmente estas pessoas estão erradas: o funcionário do mês só pode ser eleito ao final do mês, depois que o mês já está decidido. "O mês só acaba quando o juiz apita", já dizia a minha mãe.
- Então que dia é hoje?
Dia quatorze e já estamos elegendo o funcionário do mês. Acontece que quem elege o funcionário do mês é Deus. E Ele sabe o que acontecerá no próximo mês. Ele costuma deixar o mês passar para que nos esforcemos mais e sejamos pessoas melhores. Dá para entender?
Pois que eu estava dodói, numa quinta-feira cansada, quando Deus vem esbaforido à minha procura. "Fala, Deus!", imaginando que ele viesse tratar das minhas dores. "Vim aqui para te falar do funcionário do mês", diz Deus, para minha incomensurável decepção. Acho que ele esperava que eu fosse me animar, por isso dei um sorrisinho. Aliás, não deixava de ser uma boa notícia que o funcionário do mês viesse por antecipação. Mas é tão ruim passar dor.
- Vim aqui para te falar do funcionário do mês e você não vai acreditar quem é!
Aí começamos a brincar de adivinha. Primeiro eu disse da minha namorada, noiva, amada, a Juliana.
- Não. A Juliana não pode ser funcionária do mês porque ela está em outro nível de ser-humano. Se ela ganha o prêmio, os outros humanos sentir-se-ão desencorajados, porque ela está muito distante dos outros. O funcionário do mês tem que ser algo mais tangível.
Valdívia!
- Não. O Valdívia saiu do Palmeiras. Senão seria!
Robinho!
- Quase!
Não sei, meu Deus, não sei!
- O Funcionário do mês de Setembro é David, a estátua.
Diante de meu desapontamento, Deus começou o incrível discurso:
"Primeiro devo avisar o porquê de o funcionário do mês ter vindo logo no dia quatorze.
Vi muitos humanos se esforçando, sendo pessoas melhores, deixando as velhas se sentarem no metrô, ouvindo pacientemente as mães, fazendo oferendas vultosas, maltratando os chefes, enfim, essas coisas que muito me agradam. Mas não era o suficiente. Não seria justo permitir que as pessoas continuassem competindo por algo que não poderiam vencer. David esteve perfeito neste mês, irretocável, e há muito já merecia o prêmio.
Um dos primeiros motivos que o faz merecedor do prêmio por antecipação é a certeza que tenho de que ele não irá se modificar com o prêmio. Não. Ele continuará com a mesma pose, a mesma cor, a mesma humildade. Eis o primeiro motivo: a humildade de David.
O segundo motivo é o de que David não cometerá pecados até o final do mês. Como eu sei? Ora, meu nome é Deus, e posso ver no futuro que David permanecerá são até o final do mês.
David tem outros merecimentos, não somente estas questões estáticas.
Ressalto-lhe a bundinha dele. Eu sou um Deus que me apego a bundinhas lépidas e faceiras. Bundinhas que fazem rir. Aqui cabe uma dica: bundas que almejam a conotação sexual perdem preciosos pontos divinos – e a concorrência é grande! Eu criei as bundinhas para que fizessem rir. Veja as bundinhas, como são engraçadas. Estou apaixonado pela de David.
Vejam também como David é cabeçudinho. Ele transcende a virtude da cabeça de pensar ou de ter cabelos; a cabeça de David tem a desproporção que lhe dá qualidade. Sabe quando você olha para uma coisa, pensa que ela é pior, mas depois se vê pensando: como é diferente, como é bonita! A cabeça de David um tanto avantajada é muitíssimo bonita.
O motivo preponderante é o esforço. Sabe há quanto tempo ele está com esta belíssima pose? Há muito tempo, já até perdi a conta! Mentira, eu não perdi a conta. Veja você um dos problemas em ser Deus: não se pode ser Deus e usar certos efeitos estilísticos, pois eles serão logo desmascarados. Eu não perdi a conta, mas poderia ter perdido se não tivesse essa maldita memória impecável.
Uma das vantagens de ser Deus é a de que se pode dizer palavras referentes ao Demo sem pesar a consciência.
Acontece que David está há quinhentos e quatro anos nesta posição confortável. Uma coisa é ficar alguns instantes numa posição confortável. Porque a posição é infinitamente confortável enquanto dura. Confortabilidade é uma questão de tempo. Não para David, a estátua."
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