quinta-feira, 14 de maio de 2009

Entrevista de emprego

Chego dez minutos antes do horário marcado porque é assim que os ingleses fazem. E como são confiáveis, os ingleses. Mas seria só me ouvir falando, que se perceberia que não sou inglês. O entrevistador só ouviria minha voz quarenta minutos depois, porque ele se atrasou trinta minutos, talvez para mostrar que aqui não é a Inglaterra, e que ele não vai cair nessa ladainha de candidato a emprego metido a inglês.

- Bom dia. - diz, como quem não está atrasado.

- Olá - digo, como quem não estivesse com raiva do outro estar atrasado.

- Li seu currículo e o texto que você enviou. É um texto muito ousado para um currículo tão raquítico.

Minha cara de bobo não demonstra se engoli o elogio ou a crítica. Acho que ele elogiou o texto para que eu quisesse trabalhar na empresa, e desqualificou o currículo para que não exigisse um bom salário.

- Ah, você gostou do texto?

- Não, não. Eu só disse que é um texto ousado. Um bom texto pode ser ousado ou não.

- Eu não disse que você gostou do texto. Eu só perguntei se você gostou.

- Ah, sim. Gostei.

Poderia sorrir neste momento, mas sei que ele certamente aproveitaria para outra crítica, e isso o convenceria de que não sou um bom candidato. Explico: A necessidade do entrevistador de criticar o candidato o convence de que o candidato não presta. Por isso é preciso dar o menor número de brechas para críticas.

Quando ao currículo raquítico, arrependi-me veementemente por não ter diminuído as margens e aumentado a fonte. Os entrevistadores dão muito valor ao tamanho do currículo, porque provavelmente são pessoas de idade mais elevada. Estas pessoas se ressentem dos mais jovens que podem enxergar letras pequenas.

- Você está aqui porque preciso de alguém para me ajudar nesta revista sobre vulcões. Por isso preciso saber se a sua personalidade se enquadra com o tema.

- Sim, sim. Entendo. A revista é ótima. Tem um artigo sobre maravilhoso a baixa periculosidade das lavas em regiões inóspitas.

Este comentário foi programado. Li a revista no último sábado e percebi que este artigo havia sido escrito pelo entrevistador.

- É muito bom, esse artigo. Foi muito elogiado por toda a revista. Leitores enviaram cartas, também. Vamos às perguntas. O que você pensa sobre vulcões?

- Deixe-me pensar.

- São respostas rápidas, para que eu possa avaliar precisamente a sua personalidade. E para que o candidato não enfeite muito, também.

Porra.

- Os vulcões, para mim, são uns injustiçados. Porque eles nunca atacam de surpresa, apesar de as pessoas se surpreenderem com eles. O vulcão está lá, mesmo que inativo. Sempre já há possibilidade de ele estourar. Os vulcões são muito sinceros.

O entrevistador franze a sobrancelha, não sabendo ainda se aprovou ou não minha impressão sobre os vulcões.

- O que você mudaria?

- Como assim?

Ele me olha nos olhos, espantado com meu retardo mental por não entender esta pergunta.

- Digo... O que você mudaria?

- Mudaria em quê? No mundo? Sobre os vulcões?

- O que você mudaria no mundo sobre os vulcões?

- Calma. Preciso pensar novamente.

- E eu preciso novamente avisá-lo que a resposta precisa ser rápida.

- Então vai para a puta que te pariu! – não disse.

- Eu mudaria o posicionamento dos vulcões. Deixaria todos debaixo do mar, para que quando entrassem em erupção, só queimassem aqueles peixes cegos. – disse.

Ele me olha com mais espanto ainda. Eu devolvo o espanto. Ele olha para baixo. Ufa.

- Qual é a sua disponibilidade para trabalhar aos finais de semana?

- Nenhuma.

- E horas extras?

- Nenhuma.

- Olha. Eu fiz essas perguntas para saber do seu comprometimento com a empresa. O contratado não precisará nunca fazer horas extras ou trabalhar aos finais de semana.

Provavelmente o leitor acha que neste momento senti um arrependimento profundo. Mas não senti. Como eu adivinharia?

Quando se vai fazer uma entrevista de emprego, há duas opções que variam com o desespero. Você pode se mostrar maravilhoso como não é, ou tosco como é. Claro que a chance de ser contratado se mostrando maravilhoso, é maior, mas depois há uma grande possibilidade de perceberem que você não é maravilhoso, e o demitirão por isso.

A equação é a seguinte: se o candidato se mostrar modesto, a chance de ser contratado é menor, mas se conseguir a vaga, a chance de permanecer no emprego é quase plena. Se o candidato de mostrar maravilhoso, a chance de ser contratado é muito maior, assim como a chance de não permanecer no emprego.

- Por que você veio de bermudas? - pergunta-me, de supetão.

- Porque está calor.

- Aqui usamos ar-condicionado. Se você for contratado, estaria disposto a vestir calças?

- Sim, sim. No anúncio desta vaga, não estava escrito que se usa ar-condicionado nesta empresa.

- Mas utilizamos.

Eu poderia continuar com a discussão, mas não queira discutir com um entrevistador. Por mais que você tenha razão, ele não vai admitir. Ou seja: Como ele está numa posição superior à sua, é ele quem tem a razão em todas as instâncias, e discutir seria como tentar permanecer no erro à força.

- E gravata? Por que não veio de gravata?

- Porque não combina com bermuda.

- E por que você veio de bermuda?

- Acho que o senhor já fez uma pergunta semelhante.

É chegada a hora na entrevista em que o candidato tem que se impor e perguntar as coisas da empresa. Aí a situação se inverte, e o entrevistador percebe que o candidato também escolhe a empresa.

- Qual é o salário? - pergunto.

- Você é do tipo de jovem que só trabalha pelo salário?

- Não. Eu só perguntei o salário. Vai que vocês sejam escravistas.

- Eu tenho cara de escravista? – me pergunta, como se fosse um gênio.

- E eu tenho cara de ganancioso? – respondo, como se fosse um humorista.

Silêncio.

- Queira, por favor, me dizer o salário?

- Mil. - diz, com vergonha.

É por isso que ele não queria dizer.

- Mil? - pergunto incrédulo.

- É, mil.

- Mil. - digo, conformado.

- Mil.

Agora todas as coisas mudam. Eu posso seriamente não querer este emprego.

- Mil reais, e tem que vir de gravata?

- Isso se você achar necessário. Acho que basta.

- Quando obtenho a resposta?

- Semana que vem.

Nos cumprimentamos discretamente e fui embora.

3 comentários:

Fabio Chiorino disse...

cara, é madrugada. E, por causa do seu texto e das minhas risadas, quase acordei minha recém-nascida filha aqui no quarto. Muito bom. Seus diálogos são amarrados com maestria. Abraços

LuLa disse...

Caraca!

Não posso ficar rindo assim aqui no trabalho, pô!

Só não digo que é bom porque você também diz.

Abraço!

Juliana disse...

Eu li até aqui!