Infelizmente hoje não há foto para a entrevista com André. Havia no nariz dele uma catota que não saía nem com Photoshop, e uma das grandes atrações da internet mundial será publicada sem foto.
Demorou para que André voltasse a dar entrevistas. Desde os entreveros que teve com o coma a que foi submetido, não queria dar entrevistas com o medo de parecer um pouco lesado. Questionado se o silêncio não era a pior opção, já que então as pessoas pensariam coisas piores, dizia sempre que é melhor não ter provas.
Ele estava estirado quando seu empregado me encaminhou até ele. "Jarbas! Me traga o café!", disse antes de me dar oi. "Eu já disse que não me chamo Jarbas, senhor", respondeu Jaime. "E eu já te disse que não importa e que vou te chamar de Jarbas assim mesmo!", encerrou André.
Como já se sabe, o bom humor não é o forte deste homem. Hoje, porém, ele estava tão insuportável, que quase cancelei a entrevista alegando desconfortos intestinais. Mas que fique bem claro que seria somente um blefe, para colocar este homem no seu lugar.
Eu: Como é, André? Qual é a boa?
André: A boa é que eu voltei a dar entrevistas. Para celebrar a volta, nada melhor do que começar com chave de ouro e conceder a primeira entrevista a mim mesmo. Eu me conheço muito bem e, por incrível que pareça, sou o entrevistador que mais me surpreende!
Eu: Obrigado pelo elogio. Você está querendo me ofender com alguma coisa, não é?
André: Exatamente. Por que você diz que eu tenho uma catota incorrigível no nariz enquanto é você que está com preguiça de fazer a montagem no Photoshop?
Eu: Veja, não é isso. Olha essa catota. Você sempre acha que não tem nada, e quando vai ver é aquela coisa toda!
André: Jarbas! Traga o espelho!
Jaime vem correndo com o espelho como se já o tivesse à mão. Neste momento tive a impressão de que Jaime é fruto da imaginação que André usou somente para fazer pose de rico na entrevista.
Eu: Está vendo? Olha o catotão aí!
André: Não tem catotão nenhum. E se você continuar a falar sobre isso, eu encerro a entrevista.
Eu: Não fale assim. Me conte um pouco sobre as suas recentes opiniões futebolísticas.
André: Tenho uma opinião muito triste sobre o futebol. Eu acho que o futebol bonito é impossível. Veja o Palmeiras, jogando lindamente. Parecia a seleção de 70, porque todo futebol bonito tem que remeter ao menos um pouco àquele time de 70. O Palmeiras ganhou dez jogos seguidos, perdeu dois e todo mundo tira a conclusão de que futebol bonito só é bom para os adversários. O problema é que os jogadores e o treinador engoliram a crítica e concordaram com ela. Ou seja, ninguém mais joga bonito nesse mundo. E quem tenta, sempre acaba desistindo, quase que se desculpando depois por ter encantado.
Eu: Triste isso. O Valdivia não para de jogar bonito.
André: O Valdivia é um caso à parte. Muito à parte, por sinal. Não sei como foi possível nascer um jogador engraçado nos dias de hoje. Às vezes o mundo sem graça dá à luz gente engraçada, e o mundo engraçado faz nascer gente chata. Prova de que a genética não funciona tão bem assim.
Eu: É mesmo. Graças a Deus, senão seria tudo muito previsível. Me diz aquilo sobre a oração.
André: Que oração, meu chapa?
Eu: O Pai Nosso.
André: Ah, sim! Veja que engraçado. Tem muita gente que só reza para pedir, não é? Que só lembra de Deus na hora em que precisa de alguma coisa. Para essas pessoas, Deus é como uma privada, com quem você só se relaciona quando precisa dela. Mas a questão é a seguinte. A pessoa precisa de alguma coisa e reza o Pai Nosso. Reza mecanicamente, porque no meio do Pai Nosso, está "Que seja feita vossa vontade"! Entende? Então não adianta nada, a pessoa pedir antes, porque logo depois ela pede que seja a vontade de Deus que prevaleça.
Eu: Você sugere, então, que a pessoa pule este verso?
André: Não sejamos tolos. O melhor a se fazer é rezar outra oração, porque tanta gente reza o Pai Nosso, que Deus não presta muita atenção. Então se alguém pular um verso, Deus não vai notar, entende?
Eu: Sim, sim. Entendi. Você acredita em Deus?
André: Acredito. E acho muito bobo quem diz que não acredita. Os ateus são uns bobos. Use isso na manchete, se quiser. Os ateus são uns bobos!
Eu: Bobos por quê?
André: Porque não acreditam em Deus!
Eu: E desde quando é bobo quem não acredita em Deus?
André: Eles são bobos, porque quem não acredita em Deus não acredita em alguma coisa maior, então se acham o máximo, entende? Eles acham que são o topo da evolução do Universo. Eu digo isso principalmente porque os ateus se acham muito inteligentes. É só para baixar a bola.
Eu: Sim, sim. Você não acha melhor parar com este hábito de criticar quem é bom e elogiar quem é ruim?
André: Veja. Eu reconheço que às vezes isso atrapalha, porque critico o bom e ele desacredita as próprias habilidades; e elogio o ruim, e ele acha que as ruindades que ele está fazendo são ótimas. A intenção é elogiar o ruim para que ele se sinta estimulado a melhorar, e criticar o bom para que ele não fique arrogante.
Eu: Isso funciona?
André: Não. Isso não funciona. Mas é uma delícia criticar coisas boas. Não sei explicar, não sei.
Um comentário:
é tão bom ver que eu não sou o único problemático do mundo...
=P
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