Era uma segunda-feira chuvosa como a de hoje, quando Carlos Drummond de Andrade tocou à minha porta. Olhei pelo olho mágico e suspeitei que fosse o poeta. Mas precisei certificar-me, porque àquela época não era comum que gente importante deste tipo me procurasse. Também porque meu olho não distingue muito bem os velhos.
- Quem é?
- Sou eu - respondeu uma voz cansada. Drummond era genial, mas não era bom para coisas comuns e cotidianas, como uma pergunta corriqueira deste tipo.
- Eu quem?
- Ah, sim. O Drummond.
Abri a porta o mais rápido que pude. Que prazer, ajudar o poeta! Percebi, no entanto, que esta rapidez o assustou um pouco. Foi preciso um copo d’água para que se sentisse melhor e mais ambientado.
Conversamos sobre amenidades. Sobre as diferenças e semelhanças entre São Paulo e Minas, entre São Paulo e o Rio, e entre o Rio e Minas. Nada demais. No final, concluímos que as únicas diferenças dignas de menção eram que em Minas, o pão de queijo era preparado em casa, que no Rio tinha praia, e que em São Paulo não tinha praia nem pão de queijo - ou seja, esta cidade é um mal necessário.
Aproveitei que falamos em pão de queijo e o servi com um pão de queijo do dia de ontem, que para minha surpresa, o agradou.
- Está delicioso! É de ontem? Os pães de queijo ruins ficam melhores no dia seguinte. Ficam mais sequinhos.
Era, sim. Chegamos ao assunto principal. O assunto digno de movê-lo de Minas Gerais até minha casa.
- André, colega, preciso escrever uma poesia e estou sem assunto. Preciso que você me dê um tema!
Um tema? Na hora pensei em alguma guerra, em algum carro, em alguma coisa que me favorecesse.
- Palmeiras! Faça uma poesia sobre o Palmeiras.
- Eu não faria uma poesia de um time que não fosse meu.
- Então fale sobre pão de queijo, ué.
- Muito óbvio. Todo mundo já sabe que sou mineiro.
Foi então que eu disse, já sem paciência:
- Então olhe para minha cara e escreva o que lhe vier à cabeça!
- Tá bom.
Olhe olhava fixamente para mim, e fiquei um pouco constrangido. Pensei que fosse falar da cor dos meus olhos, ou da diferença de coloração que uma bochecha é capaz. Nada disso. Depois de cinco minutos:
- Posso recitar?
- Sim, sim. Pode.
- No meio do nariz tinha uma espinha
tinha uma espinha no meio do nariz
tinha uma espinha
no meio do nariz tinha uma espinha.
- Pare, pare! Pare, que não posso mais ouvir o que você acabou de escrever!
Se antes já estava envergonhado, agora fiquei mais envergonhado que criança feia. Era preciso algo que mudasse o assunto. A poesia era boa, mas o tema ruim. Neste momento, veio-me à cabeça um insight com destino à eternidade.
- Dirce! - era o nome de minha empregada. - Traga uma pedra!
Um comentário:
acho que ele deveria ter escolhido o tema megalomania!
hahahaha, =P
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