Chego dez minutos antes do horário marcado porque é assim que os ingleses fazem. E como são confiáveis, os ingleses. Mas seria só me ouvir falando, que se perceberia que não sou inglês. O entrevistador só ouviria minha voz quarenta minutos depois, porque ele se atrasou trinta minutos, talvez para mostrar que aqui não é a Inglaterra, e que ele não vai cair nessa ladainha de candidato a emprego metido a inglês.
- Bom dia. - diz, como quem não está atrasado.
- Olá - digo, como quem não estivesse com raiva do outro estar atrasado.
- Li seu currículo e o texto que você enviou. É um texto muito ousado para um currículo tão raquítico.
Minha cara de bobo não demonstra se engoli o elogio ou a crítica. Acho que ele elogiou o texto para que eu quisesse trabalhar na empresa, e desqualificou o currículo para que não exigisse um bom salário.
- Ah, você gostou do texto?
- Não, não. Eu só disse que é um texto ousado. Um bom texto pode ser ousado ou não.
- Eu não disse que você gostou do texto. Eu só perguntei se você gostou.
- Ah, sim. Gostei.
Poderia sorrir neste momento, mas sei que ele certamente aproveitaria para outra crítica, e isso o convenceria de que não sou um bom candidato. Explico: A necessidade do entrevistador de criticar o candidato o convence de que o candidato não presta. Por isso é preciso dar o menor número de brechas para críticas.
Quando ao currículo raquítico, arrependi-me veementemente por não ter diminuído as margens e aumentado a fonte. Os entrevistadores dão muito valor ao tamanho do currículo, porque provavelmente são pessoas de idade mais elevada. Estas pessoas se ressentem dos mais jovens que podem enxergar letras pequenas.
- Você está aqui porque preciso de alguém para me ajudar nesta revista sobre vulcões. Por isso preciso saber se a sua personalidade se enquadra com o tema.
- Sim, sim. Entendo. A revista é ótima. Tem um artigo sobre maravilhoso a baixa periculosidade das lavas em regiões inóspitas.
Este comentário foi programado. Li a revista no último sábado e percebi que este artigo havia sido escrito pelo entrevistador.
- É muito bom, esse artigo. Foi muito elogiado por toda a revista. Leitores enviaram cartas, também. Vamos às perguntas. O que você pensa sobre vulcões?
- Deixe-me pensar.
- São respostas rápidas, para que eu possa avaliar precisamente a sua personalidade. E para que o candidato não enfeite muito, também.
Porra.
- Os vulcões, para mim, são uns injustiçados. Porque eles nunca atacam de surpresa, apesar de as pessoas se surpreenderem com eles. O vulcão está lá, mesmo que inativo. Sempre já há possibilidade de ele estourar. Os vulcões são muito sinceros.
O entrevistador franze a sobrancelha, não sabendo ainda se aprovou ou não minha impressão sobre os vulcões.
- O que você mudaria?
- Como assim?
Ele me olha nos olhos, espantado com meu retardo mental por não entender esta pergunta.
- Digo... O que você mudaria?
- Mudaria em quê? No mundo? Sobre os vulcões?
- O que você mudaria no mundo sobre os vulcões?
- Calma. Preciso pensar novamente.
- E eu preciso novamente avisá-lo que a resposta precisa ser rápida.
- Então vai para a puta que te pariu! – não disse.
- Eu mudaria o posicionamento dos vulcões. Deixaria todos debaixo do mar, para que quando entrassem em erupção, só queimassem aqueles peixes cegos. – disse.
Ele me olha com mais espanto ainda. Eu devolvo o espanto. Ele olha para baixo. Ufa.
- Qual é a sua disponibilidade para trabalhar aos finais de semana?
- Nenhuma.
- E horas extras?
- Nenhuma.
- Olha. Eu fiz essas perguntas para saber do seu comprometimento com a empresa. O contratado não precisará nunca fazer horas extras ou trabalhar aos finais de semana.
Provavelmente o leitor acha que neste momento senti um arrependimento profundo. Mas não senti. Como eu adivinharia?
Quando se vai fazer uma entrevista de emprego, há duas opções que variam com o desespero. Você pode se mostrar maravilhoso como não é, ou tosco como é. Claro que a chance de ser contratado se mostrando maravilhoso, é maior, mas depois há uma grande possibilidade de perceberem que você não é maravilhoso, e o demitirão por isso.
A equação é a seguinte: se o candidato se mostrar modesto, a chance de ser contratado é menor, mas se conseguir a vaga, a chance de permanecer no emprego é quase plena. Se o candidato de mostrar maravilhoso, a chance de ser contratado é muito maior, assim como a chance de não permanecer no emprego.
- Por que você veio de bermudas? - pergunta-me, de supetão.
- Porque está calor.
- Aqui usamos ar-condicionado. Se você for contratado, estaria disposto a vestir calças?
- Sim, sim. No anúncio desta vaga, não estava escrito que se usa ar-condicionado nesta empresa.
- Mas utilizamos.
Eu poderia continuar com a discussão, mas não queira discutir com um entrevistador. Por mais que você tenha razão, ele não vai admitir. Ou seja: Como ele está numa posição superior à sua, é ele quem tem a razão em todas as instâncias, e discutir seria como tentar permanecer no erro à força.
- E gravata? Por que não veio de gravata?
- Porque não combina com bermuda.
- E por que você veio de bermuda?
- Acho que o senhor já fez uma pergunta semelhante.
É chegada a hora na entrevista em que o candidato tem que se impor e perguntar as coisas da empresa. Aí a situação se inverte, e o entrevistador percebe que o candidato também escolhe a empresa.
- Qual é o salário? - pergunto.
- Você é do tipo de jovem que só trabalha pelo salário?
- Não. Eu só perguntei o salário. Vai que vocês sejam escravistas.
- Eu tenho cara de escravista? – me pergunta, como se fosse um gênio.
- E eu tenho cara de ganancioso? – respondo, como se fosse um humorista.
Silêncio.
- Queira, por favor, me dizer o salário?
- Mil. - diz, com vergonha.
É por isso que ele não queria dizer.
- Mil? - pergunto incrédulo.
- É, mil.
- Mil. - digo, conformado.
- Mil.
Agora todas as coisas mudam. Eu posso seriamente não querer este emprego.
- Mil reais, e tem que vir de gravata?
- Isso se você achar necessário. Acho que basta.
- Quando obtenho a resposta?
- Semana que vem.
Nos cumprimentamos discretamente e fui embora.