sexta-feira, 4 de junho de 2010

Vampeta, o gatinho

Desde que eu abandonei este blog tal qual um jornal que se dá aos cães, penso numa forma de reativá-lo. Na verdade, tenho que ser um pouco mais justo. Estou colocando no blog as frustrações que cabem somente em mim. Este blog nunca foi abandonado. Enquanto tiver este número enorme de pessoas entrando aqui, ele não será abandonado. Ontem entraram seis pessoas, e fiquei felicíssimo.

Mas é sério. Dizer que este blog está abandonado porque não tem sido atualizado é como dizer que abandonaram Shakespeare só porque ele não tem escrito novos livros.

Eu é que abandonei minha própria escrita. Um dia eu hei de morrer. Mas este blog, não. Ele é bastante imortal.

Pois eu tenho pensado seriamente em criar uma série de posts sobre meus gatos. Eu não me sentia tão à vontade para dizer que esses gatos são meus (porque eles eram mais da minha sogra e da minha namorada) até eu conhecer alguns gatinhos que vi nascer. Aí, não tem jeito. São tão meus quanto minhas camisas do Palmeiras ou quanto meu nariz.

Vou tentar iniciar essa série hoje. Se ela não tiver sequência, não haverá problema. Você sabia que O Processo, do Kafka, é somente um fragmento? Eu sei isso porque ele me plagiou. Eu publiquei O Pocesso seis meses antes de Kafka publicar O Processo.

Uma lástima.

Pois o gato que escolhi começar a falar é o Vampeta.

Eu nunca dei muita bola ao Vampeta, porque ele é siamês. É uma falha preconceituosa minha, porque eu não costumo gostar de nada que seja de marca. Não compro um Nike mesmo que ache bonito, não visto um moletom grandão da Adidas mesmo que seja quentinho e não gostava de gato siamês nem se ele gostasse de mim. E eu percebi uma coisa: como são feios os siameses! Mas feios para valer.

E de uma feiúra antipática, porque eu costumo gostar das coisas feias. Veja só que coisa mais séria: eu prefiro os feios. Quando vou comprar um porquinho de barro, procuro o que tem a carinha mais torta. Quando gosto de um jogador, prefiro os Obinas, os Valdívias. A feiúra tem a vantagem da peculiaridade. Porque todos os bonitos se parecem, enquanto os feios são únicos.

Os siameses são os únicos feios que se parecem.

*

Uma vez eu confessei à minha namorada que estava com medo de perder o Chimbinha e o Cid, dois gatos de que gosto para valer. Ela disse que eu ficasse tranquilo, pois se fossem sumir com alguém, sumiriam com o Vampeta, porque ele é siamês.

Eu fiquei muito aliviado. Não gostava dele, mesmo.

*

O nome de Vampeta foi uma escolha rápida e definitiva. Olhei aquela carinha feia, e não tive dúvida: Vampeta.

Mas você nem é corintiano, cara pálida!

Este nome é tão perfeito para este gato, que dei o nome apesar de homenagear um ex-jogador corintiano. Eu não daria o nome se fosse um jogador de quem eu não gostasse quase nada, como o goleiro Ronaldo ou o meio de campo Marcelinho Carioca. Vampeta era muito simpático, e eu gostava dele.

Mas não é uma homenagem direta ao ex-craque do Corinthians. Ele chama Vampeta porque, assim como o jogador corintiano, é uma mistura de vampiro com capeta.

*

Um gato siamês é branco no corpo, mas escurinho nas extremidades. Como essa ovelha:
*

Então comecei desprezando o Vampeta. Sentia raiva dele desde o começo. Ele miava, e aquele som horripilante entrava pelo meu ouvido e dava mil voltas em meu cérebro antes de sair pelo outro.

Ah! E como era pegajoso, esse gato! Ele não percebia minha má vontade, e se esfregava em mim até dormir no meu peito. Eu tossia só para ele sair.

Assim foi até que o Palmeiras jogava contra o Atlético Paranaense, pela Copa do Brasil. Um empate classificaria o Palmeiras, mas o Atlético fez um gol de pênalti. Aí fiquei absolutamente irritado. E o Vampeta veio se esfregar em mim.

Disse um palavrão e o repeli como um spray anti-gatos. Mas a minha namorada disse disfarçadamente:

Você afastando gato? Gato dá sorte!

No desespero, me apeguei a esta crendice, abracei o Vampeta e no minuto seguinte foi gol do Palmeiras. Meu amor por este gato cresceu tão completamente neste momento, que lhe dei um abraço que o fez sair voando. Só fui vê-lo no dia seguinte, enquanto ele comia alguma coisa.

*

O gol que Vampeta proporcionou ao Palmeiras me fez vê-lo pelo jeito certo.

Aliás, Vampeta é como se fosse Portugal. É preciso olhá-lo da forma correta para sentir amor por ele. Dizem que portugueses são burros, chatos e ranzinzas. Não é isso. É a lógica deles que é deveras peculiar. E se soubermos apreciar esta lógica, este jeito, este sotaque, conseguimos admirá-los a todo instante. Uma conversa de português é muito mais engraçada que uma piada de português se olharmos do jeito certo.

Enfim, com Vampeta também é assim. É preciso ver do jeito certo este gato até sacar que ele é bonito, e que o jeito chato dele é bastante carinhoso.

*

E ontem deu meia noite, e eu fui buscar o Vampeta na rua, para que ele dormisse na cadeirinha que comprei para usar o computador, mas que agora é a que ele prefere dormir. Não achei o Vampeta.

Ele não estava com os outros gatos, não estava sob os carros, não estava na rua, não estava no canal, não estava no telhado, não estava nas cadeiras. Eu pedi a Deus que o Palmeiras tomasse mil gols, mas que ele me dissesse onde estava este gato. Sério.

De repente ficou impossível dormir sem o ronco dele. Ficou inadmissível um momento de prazer sem irritar-me com ele. Pesquisei até na internet para descobrir que siamês gosta de carinho no pescoço, e fiquei feliz ao ver que funcionava.

Mas ele não aparecia de jeito nenhum.

Eu já queria chorar, queria bater a cabeça na parede e jurar que não me apegaria mais a nenhum gato, porque eles somem todos.

*

A Juliana abriu a porta e o Vampeta voltou, sem saber de nada.

Eu lhe dei um abraço tão forte, tão grande. Um grito maior que de gol, que o fez sair correndo de novo. Mas eu já tinha fechado a porta do quarto, e ele foi logo dormir na cadeirinha.

3 comentários:

Juliana de Brito disse...

Muito bom o teu blog, André. E o texto é de uma sensibilidade peculiar. Parabéns.

Favoritei.

Anônimo disse...

Caro Ursípedes

E você que foi criado sem gostar de gatos... sempre com aquele gordo falando que teve que tomar mil injeções por causa de um...

Mas já me acostumei a gostar desses gatos através de seu amor por eles. (Calma lá, só pelas fotos...)

Vampeta, Emilio, Cid, Heitor/Totó,Cacildo e todos os outros.

Pra cada um deles, além de um nome, um gesto de carinho. Mesmo que seja a castração, que é para o bem deles mesmos.

Quem respeita aos animais repeita, antes de mais nada, a si próprio.

Sensacional este post!!!

Forte abraço

F.Homer

O Leão Feliz disse...

Tenho dois aqui também com Denise.

Chamam Ché e Umbra.

O primeiro já está na fase de "Dom Che Guevara". Está tão gordo que involuntariamente quando olho pra ele grito "Ronaldo!".
A outra é caçula, pequenina, amorosa e preta. Esta como o bucho meio aberto porque foi castrada e não para de mexer na ferida. Fora o fedor do pus com pomada cicatrizante a veterinária disse que não se tratava de algo sério.

Mande um oi pro Vampetinha.

até

Cae